Instituto de Cinema de SP

O som do cinema: trilhas diegéticas e extra diegéticas

Alguma vez, enquanto assistia a um filme, ou série, você se pegou cantarolando a música que a personagem em tela também cantava? Ou fazendo os passos de dança que atores e atrizes faziam em cena? Você estava diante de uma trilha diegética e nem sabia!


Não há dúvidas sobre a importância do áudio em uma produção audiovisual, mas diversas são as suas funções. Vamos, então, conhecer um pouco sobre a trilhas diegética e extra diegética.


https://youtu.be/jYID_csTvos


No concurso de dança vencido por Mia Wallace e Vincent Vega, na cena acima, a música que ouvimos ao assistir o filme é a mesma ouvida pelos personagens em cena. Neste caso nos sentimos como se estivéssemos no Jack Rabbit Slim's tomando um milk-shake e aplaudindo as performances de dança. A trilha diegética traz essa relação direta entre público e obra.


No baile de formatura ao final de De Volta para o Futuro (1985), enquanto você se diverte com Johnny B. Goode todos em cena se espantam com aquele barulhento rock do futuro tocado por Marty Mcfly. Uma dupla de amigos motoqueiros abre a porta de uma parada no meio da estrada e automaticamente todo ambiente é preenchido pelo refrão de Born To Be Wild, e imediatamente – nós e os personagens – entendemos que tipo de bar é aquele, mesmo que seu interior ainda não tenha sido mostrado.


A música diegética parece clara nessas situações de bar, discoteca, show, mas e quando nada disso está em cena? É possível, ainda assim, a música ambiente e a trilha serem as mesmas? Nos créditos iniciais de Guardiões da Galáxia (2014), Peter Quill aperta o play em seu walkman enquanto caça tesouros ao som de Come and Get Your Love, a música embala tanto o personagem quanto a audiência. Em Silêncio dos Inocentes (1991), Hannibal Lecter recebe a refeição em sua cela, enquanto uma peça de Johann Sebastian Bach é executada. A música tem toda cara de ser uma trilha sonora somente para nós espectadores, mas uma tomada de câmera mostra um toca fitas na mesa com uma das teclas pressionada. A música, portanto, preenche o ambiente para os personagens em tela. A cena desenrola e a música parece se tornar cada vez mais um elemento de trilha sonora para os espectadores, até que vemos o personagem se deleitando com a música enquanto com a mão direita imitando os movimentos de um regente.


A música diegética, portanto, é quando a fonte sonora está na cena, não é uma trilha para a audiência, mas uma música, um som, um ruído, ou silêncio, que todos ouvem. Ela aproxima a plateia da ação em tela. O gotejar de uma torneira em uma pia metálica no silêncio da noite que angustia um personagem é o mesmo que nos angustia. O silêncio árido do deserto sentido por Llewelyn Moss em Onde Os Fracos Não Tem Vez (2007) é o mesmo silêncio que deixou tantas pessoas desconfortáveis enquanto assistiam o filme.


https://youtu.be/NXDYCPI75Bo?t=54s


Estar perto dos personagens parece bom, mas algumas vezes a ideia da direção é nos colocar de fora, à distância, como reais espectadores de uma ação. Quando Rocky Balboa corre pelas ruas da Filadélfia com seu moletom cinza não há nenhuma música edificante para o atleta, assim como Marion Crane não ouve a estridente trilha que antecede seu assassinato no chuveiro.


Em Rocky (1976) a trilha Gonna Fly Now nos empolga, faz com que acreditemos que Rocky, mesmo sendo um pugilista desconhecido possa vencer o campeão Apollo Creed. Já em Psicose (1960), a trilha nos aterroriza e indica que algo de muito ruim está prestes a acontecer. Nem Rocky, nem Marion sabem o que nós sabemos, pois nestes casos a trilha não era diegética. Em situações como essas temos uma trilha extra diegética e os exemplos são ainda mais comuns e rememoráveis, desde a Marcha Imperial que anuncia a chegada de Darth Vader aos tambores e trombetas de Also Sprach Zarathustra de Strauss quando, em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), o macaco do prólogo do filme conclui um salto ontológico em sua espécie ao descobrir o uso instrumental de um mero pedaço de osso.


A escolha entre qual tipo de trilha, música ou som estará em tela é uma decisão criativa que irá ajudar a narrar a história, portanto não há certos ou errados, mas maneiras mais envolventes de exibir o que precisa ser narrado. Na próxima vez que estiver assistindo à um filme ou uma série, preste atenção no som, ele pode ser um tic-tac que incomode o personagem, ou pode ser o tic-tac, extra diegético, constante de Dunkirk (2017). Pode ser um nervoso som de gaita que nunca sabemos ao certo se é uma trilha extra diegética, ou se é o próprio personagem Harmonica tocando-a quando aparece em Era Uma Vez no Oeste (1968). Ou, ainda melhor, a mesma música pode alternar entre diegética e extra diegética, como na incrível montagem ao final de O Poderoso Chefão (1972) em que Michael Corleone se torna, duplamente, o Padrinho. 


https://youtu.be/1CDlBLvc3YE 


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Texto de Henrique Castro.

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