Instituto de Cinema de SP

Movimentos do Cinema: O que foi o Dogma 95?

No ano de 1995, os cineastas dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg foram responsáveis por iniciar o movimento cinematográfico conhecido como Dogma 95. A iniciativa dos diretores se deu como uma resposta à lógica de filmes comerciais Hollywoodianos, de blockbusters, grandes orçamentos e muitos artifícios. Em poucas palavras, o Dogma 95 pregava um retorno ao cinema como feito antes da exploração industrial, com maior autonomia nas mãos dos diretores-autores.


Publicado em 13 de março de 1995 e apresentado uma semana depois na comemoração do centenário do cinema no Odéon - Théatre de L’Europe, em Paris, o “Manifesto Dogma 95” foi um documento redigido por Vinterberg e Trier que estabelecia certas regras para o fazer cinematográfico. Essas regras, que tem tanto cunho técnico quanto ético, foram baseadas em valores tradicionais - como a valorização da história, atuação e temática - e rejeitavam o uso de efeitos especiais elaborados ou recursos tecnológicos.


Pretendia-se com o estabelecimento dessas regras recolocar o poder nas mãos do diretor, como um artista, ao invés de deixar a autonomia sobre a criação dos filmes com os estúdios de grande porte. Segundo os diretores, sua intenção era estabelecer um novo extremo - em oposição aos filmes multimilionários - para assim equilibrar a dinâmica do cinema mundial. E, dessa forma, construir um cinema mais realista e menos comercial. 


O movimento tinha em suas intenções resgatar alguns ideais de François Truffaut, como explicitados em seu ensaio - “Une certaine tendance du cinéma français” (Uma certa tendência do cinema francês) - para a revista de cinema francesa Cahiers du Cinéma , publicado em 1954. A essência da Nouvelle Vague, que inspirou o Dogma 95 em diversos aspectos, era libertar o cinema de suas amarras convencionais por meio de filmes experimentais. O diferencial dos dinamarqueses estava na forma de buscar essa experimentação, expressa em regras pré-estabelecidas.


Os cineastas do Dogma acreditavam que a única forma de devolver ao cinema sua autenticidade era impor regras rígidas de produção, abrindo mão de recursos caros ou efeitos especiais. Além disso, eles acreditavam que uma abordagem livre de artifícios seria capaz de prender o espectador de forma mais profunda, uma vez que o público não seria alienado ou distraído por elementos superficiais, comuns nos blockbusters criticados por esse movimento. Segundo a filosofia do Dogma, os diretores deveriam focar a sua atenção na história e na performance dos atores apenas.


Essa filosofia controversa e austera do Manifesto Dogma 95 é expressa nas regras do chamado “Voto de Castidade” - jurado pelos diretores adeptos do Dogma - e podem ser vistas em seus filmes, tão controversos quanto. Hoje, 35 filmes de diversos países fazem parte do movimento. Quando uma obra é aceita como parte do Dogma 95, o certificado do manifesto era inserido em sua sequência inicial, assim como o número do filme dentro do movimento, na intenção de reforçar a ideia de coletividade e liberdade criativa.


Mesmo com a austeridade implícita do movimento, suas regras acabaram sendo inevitavelmente quebradas ou dribladas pelos próprios cineastas. Em Festa de Família, primeiro filme do Dogma, Vinterberg confessou ter coberto a luz de uma janela, rompendo com o voto de não inserir objetos alheios ao set e de não usar nenhum tipo de iluminação especial nas filmagens.


Aparentemente esse fato depõe contra os ideais do manifesto, entretanto suas estritas normas não tinham um fim em si, mas procuravam provocar uma nova forma de fazer cinema. Uma forma extremamente desafiadora e livre de grandes orçamentos e aparatos técnicos, que pretendia - ao restringir as liberdades dos cineastas - obrigá-los a encontrar meios de se libertarem criativamente.


Confira o “Voto de Castidade” estabelecido pelos diretores:


Eu juro manter as seguintes regras, criadas e confirmadas pelo Dogma 95:


1. As filmagens devem ser feitas em locações, não em estúdios. Objetos e acessórios não devem ser levados para o local (se algum objeto específico é necessário para a história, a locação deve ser escolhida de modo que já contenha tal objeto).


2. O som nunca deve ser produzido separadamente das imagens, ou vice-versa (trilhas musicais não podem ser usadas, a menos que a música esteja tocando no local onde a cena é gravada).


3. O filme deve ser gravado com a câmera na mão. Qualquer movimento ou sensação de imobilidade obtidos manualmente são permitidos.


4. O filme deve ser em cores. Iluminação especial não é aceitável (se há pouca luz, a cena deve ser cortada ou uma única lâmpada pode ser anexada à câmera).


5. Trabalhos ópticos e filtros são proibidos.


6. O filme não deve conter ações superficiais (assassinatos, armas, etc., não podem ser incluídos).


7. Alienações temporais e geográficas não são permitidas (ou seja, o filme deve acontecer aqui e agora).


8. Filmes de gênero não são aceitos.


9. O formato do filme deve ser de 35 mm.


10. O diretor não pode ser creditado.


Além disso, eu juro como diretor me abster de gostos pessoais. Não sou mais um artista. Juro me abster de criar uma “obra”, já que considero o instante mais importante do que o todo. Meu objetivo supremo é obrigar a verdade a sair de meus personagens e locações. Juro fazer isso de todas as formas possíveis e a custo de quaisquer considerações estéticas ou relativas ao bom gosto.


Assim, faço meu VOTO DE CASTIDADE. (Copenhagen, segunda-feira, 13 de março de 1995. Em nome do DOGMA 95. Lars von Trier | Thomas Vinterberg) – * tradução livre


 


O movimento foi um marco mundial na produção de filmes de baixo orçamento e até hoje suscita opiniões diversas em cineastas e cinéfilos ao redor do mundo. A iniciativa também causou impacto na produção independente dinamarquesa, já que o governo do país aumentou o apoio financeiro ao cinema em 70% durante o período no qual o Dogma 95 atuou na Europa. 


Filmes e cineastas do Dogma 95:


Dogma #1: Festa de Família / Festen (1998)
Direção: Thomas Vinterberg
Dinamarca


Dogma #2: Os Idiotas / Idioterne (1998)
Direção: Lars von Trier
Dinamarca


Dogma #3: Mifune / Mifunes Sidste Sang (1999)
Direção: Søren Kragh-Jacobsen
Dinamarca


Dogma #4: O Rei Está Vivo / The King Is Alive (2000)
Direção: Kristian Levring
Dinamarca


Dogma #5: Lovers (1999)
Direção: Jean-Marc Barr
França


Dogma #6: Julien Donkey-Boy (1999)
Direção: Harmony Korine
Estados Unidos


Dogma #7: Interview (2000)
Direção: Daniel H. Byun (também creditado como Hyuk Byun)
Coreia do Sul


Dogma #8: Fuckland (2000)
Direção: Jose Luis Marques
Argentina


Dogma #9: Babylon (2001)
Direção: Vladan Zdravkovic
Suécia


Dogma #10: Chetzemoka’s Curse (2001)
Direção: Rick Schmidt, Maya Berthoud
Estados Unidos


Dogma #11: Diapason (2001)
Direção: Antonio Domenici
Itália


Dogma #12: Italiano Para Principiantes / Italiensk For Begyndere (2000)
Direção: Lone Scherfig
Dinamarca


Dogma #13: Amerikana (2001)
Direção: James Merendino
Estados Unidos


Dogma #14: Joy Ride (2000)
Direção: Martin Rengel
Suíça


Dogma #15: Camera (2000)
Direção: Richard Martini
Estados Unidos


Dogma #16: Bad Actors (2000)
Direção: Shaun Monson
Estados Unidos


Dogma #17: Reunion ou American Reunion (2001)
Direção: Leif Tilden, Mark Poggi
Estados Unidos


Dogma #18: Verdadeiramente Humano / Et Rigtigt Menneske (2001)
Script and Direção: Åke Sandgren
Dinamarca


Dogma #19: Cabin Fever / Når Nettene Blir Lange (2000)
Direção: Mona J. Hoel
Noruega


Dogma #20: Strass (2001)
Direção: Vincent Lannoo
Bélgica


Dogma #21: Kira’s Reason / En kærlighedshistorie (2001)
Direção: Ole Christian Madsen
Dinamarca


Dogma #22: Era Outra Vez (2000)
Direção: Juan Pinzás
Espanha


Dogma #23: Resin (2001)
Direção: Vladimir Gyorski
Estados Unidos


Dogma #24: Security, Colorado (2001)
Direção: Andrew Gillis
Estados Unidos


Dogma #25: Converging With Angels (2002)
Direção: Michael Sorenson
Dinamarca, Estados Unidos


Dogma #26: The Sparkle Room (2001)
Direção: Alex McAulay
Estados Unidos


Dogma #27: Come Now (2001)
Direção: Desconhecido
Estados Unidos


Dogma #28: Corações Livres / Elsker Dig For Evigt (2002)
Direção: Susanne Bier
Dinamarca


Dogma #29: The Breadbasket (2002)
Direção: Matthew Biancaniello
Estados Unidos


Dogma #30: Días de Boda (2002)
Direção: Juan Pinzás
Espanha


Dogma #31: El Desenlace (2005)
Direção: Juan Pinzás
Espanha


Dogma #32: Old, New, Borrowed and Blue / Se til venstre, der er en Svensker (2003)
Direção: Natasha Arthy
Dinamarca


Dogma #33: Residencia (2004)
Direção: Artemio Espinosa
Chile


Dogma #34: Em Suas Mãos / Forbrydelser (2004)
Direção: Annette K. Olesen
Dinamarca


Dogma #35: Così x Caso (2004)
Direção: Cristiano Ceriello
Itália


 


Por Isabella Thebas

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