Instituto de Cinema de SP

A importância dos sonhos e das mulheres para a obra de Fellini

Federico Fellini foi um dos maiores diretores do cinema seu talento é inquestionável, o cineasta é uma referência universal, principalmente para os admirados do neorrealismo italiano seus filmes estão gravados na memória de muitos. Porém, todo gênio tem crises existenciais e Fellini teve inúmeras, mas uma em especial mudou para sempre sua vida. O italiano que fazia análise com frequência, conheceu um psicanalista junguiano chamado Ernest Bernhard, que o aconselhou a anotar seus sonhos, utilizando a técnica da simbologia dos sonhos presente na psicanálise junguiana.


O cineasta seguiu à risca o conselho de Bernhard e anotou seus sonhos durante 30 anos (de 1960 e 1990), essa autoanálise rendeu duas publicações, “Livro dos Sonhos de Fellini parte 1” e “Livro dos Sonhos de Fellini parte 2” (a quem diga que ainda existem outros dois livros que não foram lançados). Nesses dois exemplares publicados, ele relata seus devaneios com o mesmo esmero que aplicava a sua direção no cinema. O diretor escolheu diversas maneiras para narrar esses sonhos. Utilizou textos em forma de contos, ensaios e crônicas, faz uso de técnicas de ilustração e pintura. Podemos ver em seus desenhos figuras exageradas, com traços excêntricos, dúbios, bizarros e surreais, assim como alguns  personagens criados por Fellini na sétima arte.


Quem mais povoou os sonhos do italiano foram as mulheres e são elas também as maiores protagonistas de suas obras. Fellini, declarou inúmeras vezes que tinha verdadeira paixão por elas e toda sua complexidade. Algumas, mulheres ao ver os filmes do diretor, podem questionar se ele, realmente amava o feminino. Porque, a narrativa felliniana é bem complexa e estereotipada para muitos. Porém o realizador utilizou isso como provocação e crítica social, pois conseguiu evidenciar que as  mulheres retratadas, por ele iam muito além dos estereótipos da época.


Não, é uma coincidência as mulheres de Fellini serem mães, esposas, tias, primas, freiras e prostitutas. Essas figuras vêm carregadas de simbologia pelo cinema e o diretor, procurou quebrar esses paradigmas de um jeito bem provocativo. Com personagens que não seguem um comportamento padrão, por serem emocionalmente fortes, audaciosas, corajosas, mais ao mesmo tempo também podem se mostrar frágeis ou dependentes. Todos esse tipos femininos estavam presentes na imaginação do italiano que sempre gostou de dizer que só retratava nas telonas as mulheres de seus sonhos.


No mundo de Fellini, esses sonhos eram desenvolvidos em sua mente e, posteriormente, construídos para transparecer em seus filmes. É, preciso entender também, que ele era um realizador que tinha controle de tudo: do argumento inicial de roteiro à montagem. O filme era de fato dele, não de um estúdio ou produtora. O italiano nunca aceitou as exigências feitas. Era ele mesmo que cuidava do casting, objetos de cenas e ainda desenhava o figurino dos personagens. Muitos críticos,  atribuem que essa centralização de Fellini nos filmes que dirigia, contribuiu para a criação da famosa estética felliniana, referência no mundo do cinema. Porque, sua obra é muito pessoal e única, além disso, toda a produção caminhava de acordo com seu estado de espírito.


Uma lista de filmes imperdíveis de Federico Fellini


Fellini foi um dos cineastas mais criativos de todos os tempos com um senso estético apuradíssimo, além de ser extremamente detalhista. O cineasta fugia dos padrões hollywoodianos e sempre foi avesso ao estrelato. Tanto que era adepto à autoanálise e movido a muita leitura e podemos encontrar essas referências em sua arte. Por isso, listamos alguns dos melhores filmes do italiano para você conhecer.


A Estrada da Vida, de 1955


Narra o drama da jovem Gelsomina (Giulietta Masina), que foi vendida por sua mãe para Zampanò (Anthony Quinn), um homem violento que trabalha como lutador de exibicionismo. A jovem passa acompanhá-lo nas viagens e se torna sua ajudante. Na história a mulher é amada e maltratada pelo homem, uma relação conturbada que reflete na sua vida. Uma curiosidade: o filme foi o primeiro a vencer o Óscar de melhor filme estrangeiro, categoria que começou a fazer parte da premiação em 1956.


Noites de Cabíria, de 1957


Cabíria (Giulietta Masina), é uma prostituta sonhadora, otimista e romântica que vive em Roma e vaga pelas ruas da cidade em busca de um grande amor. A moça é ingênua tem um coração puro e mesmo vivendo diversas decepções nunca perde a esperança que dias melhores virão. O filme foi baseado em um conto escrito pelo próprio Fellini e também ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro de 1957.  Fazendo uma dobradinha do italiano que já havia ganhado no ano anterior. Quando estreou “Noites de Cabíria”, não chamou muita atenção da crítica, mas hoje é considerada uma das obras primas do diretor.


A Doce Vida, de 1960


Uma crítica a sociedade do espetáculo e a superficialidade, assim poder ser definido essa potente narrativa de Fellini. Em “La dolce Vita”, conhecemos  história do jornalista Marcello (Marcelo Mastroianni), que vive na Roma do início dos anos 60. O personagem é rodeado por celebridades, pessoas ricas e muitos fotógrafos todas essas figuras costumam marcar presença no badalado Via Veneto. Aos poucos, o jornalista vai percebendo como aquele mundo é vazio e então passa a se questionar qual o verdadeiro sentido da vida.


Oito e Meio, de 1963


Talvez,  a história mais autobiográfica de Fellini, tudo porque narra a vida do cineasta Guido Anselmi (Marcello Mastroianni), preste a rodar seu próximo filme e vivendo um bloqueio criativo. O personagem passa por uma crise existencial, ao ser pressionado por seu produtor, sua mulher, amante e seus amigos. Guido decide se internar em uma estação de águas, onde utiliza a metalinguagem para misturar passado com presente, ficção e realidade. O filme é uma comédia dramática rica em detalhes com uma pegada surrealista. Curiosamente, o título da produção é uma referência aos oito longas e um curta-metragem que Fellini havia dirigido até aquele momento de sua carreira.


Amarcord, de 1973


Pelo olhar do jovem Titta (Bruno Zanin), que mora em uma pequena cidade italiana, o diretor revisita suas memórias afetivas, familiares, religiosas, educacionais e políticas em uma Itália da década de 30 tomada pelo fascismo. Titta está sempre aprontando com seus amigos, algo que leva o jovem a ter diversos atritos com seu severo pai (Armando Brancia), porém o protagonista sempre encontra apoio no amor de sua dedicada mãe (Pupella Maggio). Os personagens do filme são figuras excêntricas,  exageradas, mas doces ao mesmo tempo, dando mais sutileza a narrativa. 


O Maestro


Fellini, se eternizou no universo cinematográfico com seus filmes autobiográficos que exploram as estéticas neorrealista, surrealista, combinadas a elementos fantásticos e situações do cotidiano, essas fusões enriqueceram o enredo de suas obras. Não, é a toa que Fellini é chamado de “Maestro” na Itália, porque é ele quem rege a orquestra dos sonhos chamada: cinema.


Por Marcela Servano

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