O premiado cinema pernambucano

Herdeiros de um acervo cinematográfico que existe desde os anos 20, o cinema feito em Pernambuco, foca em questões sociopolíticas que retratam os abismos e dramas sociais brasileiros. O cinema pernambucano é um dos mais produtivos e criativos do país: nos últimos 20 anos foram produzidos quase 40 longas-metragens e dezenas de curtas-metragens. Os filmes do estado costumam ser muito bem recebidos em festivais dentro e fora do país. No mês de maio, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, saiu vencedor da categoria júri popular no Festival de Cannes de 2019. Está é a terceira categoria mais importante da mostra. Foi também a primeira vez que um filme brasileiro venceu uma premiação tão expressiva.
A retomada da produção cinematográfica no estado se deve ao surgimento do movimento mangue beat, criado por Chico Science & Nação Zumbi. A expressão artística tomou conta de Recife na primeira metade dos anos 90, influenciando outras áreas culturais, entre elas o cinema que se inspirou na efervescência cultural presente naquele momento. Tanto que a obra que marca o início da valorização do cinema pernambucano tem em sua trilha sonora o ritmo do mangue, presente no filme Baile Perfumado (1996), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, dando início ao renascimento de um novo cinema no estado.
A produção cinematográfica pernambucana não parou mais e, a partir dessa ebulição produtiva surgiram novos e premiados títulos como Amarelo Manga (2002) Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, Árido Movie (2006), de Lírio Ferreira, Deserto Feliz (2008), de Paulo Caldas, Avenida Brasil Formosa (2010) de Gabriel Mascaro, Era uma vez eu, Verônica (2012) de Marcelo Gomes, Boa sorte, meu amor, (2013), de Daniel Aragão e Eles Voltam, (2014) de Marcelo Lordello. Os filmes surpreenderam público e aos críticos que se depararam com produções sofisticadas, diálogos inteligentes, críticas ao coronelismo presente na região Nordeste e a pobreza. Os filmes buscam retratar o submundo de Recife, a Zona da Mata, o maracatu e a memória afetiva enraizado na vida dos recifense. De um jeito sútil as histórias dos cidadãos pernambucanos, representam uma metáfora para esculpir a população brasileira nas telonas.
Outros exemplos de sucesso que podem ser destacados são Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes, que participou da seleção oficial da mostra Un Certain Regard (Um certo olhar) do festival de Cannes, na França, em 2005. Recebeu o prêmio de “melhor filme Iberoamericano”, no Festival Internacional de Mar del Plata, na Argentina, em 2006. Em 2012, O Som a Redor de Kléber Mendonça Filho, foi escolhido para ser o representante brasileiro na indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O longa-metragem acabou não sendo selecionado, porém ganhou prêmios em diversos festivais internacionais como International Film Festival, em Rotterdam, Festival de Cinema da Polônia, dentre outros.
No ano de 2013, chegou aos cinemas um dos filmes nacionais mais comentados e bem criticados da década, Tatuagem, de Hilton Lacerda, que deu projeção nacional aos atores Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa, ganhou três categorias no festival de Gramado, melhor filme, melhor ator para Irandhir Santos e melhor trilha sonora para DJ Dolores, mais um expoente do mangue beat. Em 2016, novamente, Kleber Mendonça Filho, ganha as manchetes de todos os meios de comunicação com o aclamado e polêmico, Aquarius, o filme foi elogiado pela crítica nacional e internacional, recebendo várias indicações de prêmios como o Palma de Ouro de Cannes. Com o lançamento desse filme, o diretor se consolidou entre os melhores cineastas brasileiros da atualidade.
A safra de diretores, roteiristas, atores e atrizes – que surgiu em Pernambuco nas duas últimas décadas merece ser conhecida, vista e estudada. Fica claro que se trata de um movimento cultural rico, criativo e que busca inovações em suas narrativas, pois esses realizadores primam por uma linguagem própria e autoral. Infelizmente, em função dos problemas que nossa indústria de cinematográfica enfrenta, especialmente por causa da distribuição, preços altos e o preconceito que ainda existe contra o cinema brasileiro, os filmes pernambucanos não são tão conhecidos e valorizados pelo grande público. Mas, com prêmios de destaques e apelo midiático a realidade vem mudando. Por isso, é tão importante destacar a vitória de Bacurau, que deve chegar nas telonas brasileiras no mês de agosto.
Apesar das dificuldades técnicas, econômicas e políticas, os pernambucanos conseguiram atingir um excelente nível cinematográfico, capaz de encantar plateias em todo mundo. Porque, seus filmes têm narrativas fortes que exploram a autêntica cultura popular nordestina. E, tudo isso foi impulsionado por uma mobilização cultural que reverbera até hoje no estado.
Por Marcela Servano