Instituto de Cinema de SP

O olhar feminino na obra de Ingmar Bergman

Mulheres fortes, marcantes e com diversos questionamentos sobre a vida, assim são as personagens femininas retratadas nos filmes de Ingmar Bergman. O sueco foi um dos melhores diretores cinematográficos e muitos o consideram como o realizador que melhor retratou a figura da mulher no cinema. O diretor tinha fascínio pelo feminino, sempre deixou bem claro que preferia trabalhar mais com mulheres do que com homens, pois para ele a emoção nos rostos delas era flexível, dúbia e mais verdadeira.


Bergman sempre ressaltou o trabalho das atrizes: que para ele atuam com alma, porque são capazes de serem mais empáticas entre elas, já que além de olharem uma as outras, ainda buscam inspiração na composição de seus personagens em seu próprio íntimo. O diretor atribuiu esses fatores: a educação rígida e repressora que as mulheres recebem desde cedo. Por isso, quando estão de frente para câmera todas essas experiências vividas por elas são encenadas como um espelho de suas histórias.  


Esse olhar diferenciado do feminino foi um triunfo em sua direção, criando uma grande cumplicidade com algumas atrizes, que se tornaram figuras presentes em seus filmes. É o caso de Liv Ullman, Bibi Andersson, Harriet Andersson e Ingrid Thulin. Segundo as atrizes o diretor sempre procurava deixar as atuações limpas, sem máscaras e não se apegava aos estereótipos que as mulheres foram delegadas no cinema pós-Segunda Guerra. A atriz Bibi Andersson, musa do diretor, atribuiu sua aclamada atuação em Persona (1966), a direção segura e na capacidade que Bergman tinha em construir e reconstruir os atores.  


Na obra do diretor podemos perceber diversas diferenças entre os personagens masculinos e femininos. Os homens estão sempre em busca de resposta para sua jornada. Já as mulheres aparentam ter plena noção de tudo que acontecem com elas, pois são tipos fortes, pouco frágeis e tem sempre algum questionamento sobre suas vidas ou existência. Embora as mulheres estejam em evidência nas obras do sueco, o feminino não se estabelece como tema central. Porém, em algumas cenas de sua filmografia é nítido, como de um jeito sútil o feminino era inserido por Bergman, mesmo que fosse sem querer ou talvez querendo.  


Em Gritos e Sussurros (1972), a irmandade cruel entre as irmãs e a criada, ditam as regras dos acontecimentos do filme, os personagens masculinos são frágeis, falhos e inúteis emocionalmente na vida de suas mulheres. Um dos seus maiores sucesso “O Sétimo Selo” (1959), retrata todo o lado negativo da vida religiosa e como a perseguição, tortura e machismo. As mulheres eram uma das maiores vítimas das perseguições promovida pelo clero. Porque eram acusadas, constantemente de feitiçaria. No filme a cena de uma mulher sendo queimada na fogueira, sob acusação de ter se envolvido com o diabo, é uma clara crítica a igreja, que manipulava a população para justificar o aparecimento de uma doença causada pela precariedade da idade média.


Sua obra-prima Fanny e Alexander (1982), retrata as memórias pessoais de um garoto, que carrega a representação do próprio diretor. Porém, no filme quem ditam as regras e analisam de forma crítica todas as situações apresentadas são as personagens femininas. Nos momentos finais da história uma delas diz: estamos de novo no controle.


Bergman deu uma declaração que explica todo esse seu gosto por encenar com mulheres “A fascinação pelas mulheres é uma das minhas principais fontes. A obsessão implica ambivalência, tem algo compulsivo nisso”. Por isso, confira essa lista de filmes que comprovam o olhar feminino de Bergman:


Morangos Silvestres (1957) 


Isak Borg (Victor Sjöström), é um médico aposentado e muito rabugento, ele decide viajar de Estocolmo para Lund, na Suécia, acompanhado se sua nora Marianne (Ingrid Thulin), grávida e infeliz. Na cidade o profissional receberá um diploma honorário da universidade que estudou. Ao longo de sua jornada, eles cruzam com inúmeras pessoas que fazem refletir sobre sua vida. Uma delas é Sara (Bibi Andersson), uma jovem cheia de vida que se parece com o primeiro amor de Isak.


A Fonte da Donzela (1960)


Filha de cristãos fervorosos a jovem Karin Töre (Birgitta Pettersson), tem o sonho de se casar virgem. Um dia seus pais pedem para ela levar velas para Virgem Maria em uma igreja próxima a região que vivem. Só que no caminho a garota é abordada por dois pastores de cabras que a estupram e matam. Ironicamente, seus assassinos vão pedir abrigo na casa dos pais da menina, que os recebeu cordialmente. Até que descobrem o que aconteceu e querem vingança.


Através de um Espelho (1961)


Karin (Harriet Andersson) é uma mulher aparentemente frágil e exausta de sua vida. Durante as férias de verão ela entra em conflito com seus familiares e passa a ter crises de loucura. No filme Bergman retrata o processo de degradação familiar e de como as mulheres são as mais afetadas nesse processo.


Persona- Quando duas mulheres o Pecam  (1966)


Uma famosa atriz de teatro Elisabeth Vogler (LIv Ullmann), entra em depressão e para de falar. Sua psiquiatra , Lakaren (Margaretha Krook), a deixa sob os cuidados da enfermeira Alma (Bibi Andersson), uma profissional dedicada e sensível. Após três meses de tratamento Elisabeth, ainda não fala uma palavra sequer. Então a psiquiatra decide enviar a atriz acompanhada da enfermeira para uma ilha isolada. Lá as personagens desenvolvem uma relação de afeto, dependência e egoísmo, algo que acaba gerando um embate entre as personagens.  


Gritos e Sussurros (1972)


Agnes (Harriet Andersson)  está com câncer terminal, e suas irmãs vão ajudar a criada a cuidar dela. Só que Maria (Liv Ullmann) e Karin (Ingrid Thulin) vivem dramas pessoais que afetam a convivência com a irmã enferma. Enquanto Maria está se sentindo culpada pelo suicídio do marido. Karin está na mais profunda depressão se autodestruindo. A única que de fato consegue amparar Agnes é Anna (Kari Sylwan) , a empregada que mesmo sofrendo a dor da perda do filho ainda consegue oferecer amor.


Sonata de Outono (1978)


Retrata a relação conflituosa entre a renomada pianista Charlotte (Ingrid Bergman) e suas filhas Eva (Liv Ullmann) e Helena (Lena Nyman), que tem problemas mentais. Charlotte e Eva sempre tiveram uma relação fria e distante, e que após sete anos sem se verem, se reencontram e,  todos os ressentimentos que estavam até então reprimidos são exposto na tela. O filme possui diálogos brilhantes, que foram construídos para cortar na alma dos espectadores.


Cinema com a alma


Inúmeros filmes poderia fazer parte desta lista, pois Bergman era um diretor, que fazia cinema com a alma. Inclusive é dele uma das frases mais bonitas sobre a sétima arte. “Filmes são sonhos, filmes são música. Nenhuma arte passa a nossa consciência na forma como o filme passa e vai diretamente para os nossos sentimentos, no fundo escuro das salas das nossas almas.”


Seu cinema era filosófico, sensível, existencial e profundo, por isso o cineasta retratou tão bem a figura feminina nas telonas. Nenhum espectador  Não há como não sentir um impacto no final de qualquer uma das películas do sueco, a força de sua narrativa é tão grande que marca para sempre as memórias dos espectadores.  


Por Marcela Servano

voltar
Fale Conosco Ícone branco transparente WhatsApp