Instituto de Cinema de SP

Entrevista com o diretor e roteirista, Jonathan Mendonça

Jonathan Mendonça é roteirista e diretor, duas vezes aceito na Short Film Corner do Festival de Cannes com seus curtas-metragens, também dirigiu a websérie ‘Romeu & Romeu’, com temática LGBT, que obteve 1,5 milhões de visualizações no YouTube, recebendo 7 prêmios internacionais e 18 seleções oficiais, sendo distribuída nos EUA e Europa.


Além de dar aulas de roteiro e direção no Instituto de Cinema, foi professor e coordenador do Núcleo Cinematográfico de Guarulhos, iniciativa da Secretaria da Cultura de Guarulhos que formou 60 cineastas durante um ano.


Dirigiu programação para o Canal Brasil e Esporte Interativo, e webséries para marcas como LATAM Airlines e Microsoft, em colaboração com diversas produtoras. Também atua como roteirista, prestando serviços para agências e produtoras publicitárias.


Hoje cria e dirige conteúdo de branded content em sua própria produtora, a Substrato Filmes, sendo responsável por conteúdos de marcas como Porto Seguro, Makro, Granado, Dell e outras.


Em uma entrevista estilo ping-pong, Jonathan conta um pouco sobre sua trajetória, sobre a inserção no mercado audiovisual nacional e internacional e sobre a importância desse mercado para a visibilidade de minorias políticas.  


 




  • No Brasil, temos uma relação governamental com o cinema, um pouco diferente do resto do mundo. Enquanto aqui o governo é muito presente e as empresas distantes, em outros locais essa relação é invertida. Comente um pouco sobre isso e conte suas experiências.




 


Quando a gente para pra analisar esse cenário brasileiro, onde temos um governo que investe em cultura, acho que podemos considerar um privilégio sim! Eu não tinha essa visão, passei a ter esse ano depois que fui para o Festival de Cannes, na categoria Short Film Corner. Lá eu entrei em contato com um número de criadores internacionais muito grande, até porque essa categoria é muito apelativa mundialmente, e conheci pessoas que faziam cinema na África, nos extremos da Europa, no Oriente, por exemplo, e as dificuldades que eles apresentavam foi o que me deu dimensão do privilégio. Eles diziam que era muito fácil conseguir uma co-produção ou conseguir um edital de financiamento de um país africano com a França, por exemplo, do que conseguir um investimento vindo do próprio país.


 


Então você imagina para um artista não conseguir produzir porque além de você estar num país que não tem a cultura da indústria de cinema, como nós no Brasil também não temos, mas não ter perspectiva também. Você acaba não tendo acesso a equipamentos como aqui, a profissionais capacitados. Quando saímos da casinha Estados Unidos e produtores de cinema europeu, podemos nos considerar privilegiados.


 


É engraçado porque nos sentimos muito delimitados nesse sentido, mas é que é um movimento muito recente, e leva um tempo para mudarmos o “mindset”. Se pensarmos, essa efervescência do cinema começou a cerca de 5 anos atrás, com a Lei da TV Paga, com esse investimento externo que começou a acontecer no país, com essa perspectiva que temos em São Paulo com a criação do SP Cine, que borbulhou o cinema paulistano e trouxe produção regional e internacional. Então é tudo muito novo.


 


Mas é como todo privilégio que começamos a ter ao longo dos anos: precisamos começar a tomar consciência dele até pra manter, principalmente nos tempos atuais, a gana de produzir. Poder bater no peito e dizer “não, eu to em um país,  onde é possível, então eu vou fazer, não vou morrer na praia”.


 




  • Muitos diretores tem uma linguagem de criação muito específica. Você, Jonathan, tem alguma que você use para criar?




 


Eu tenho a minha linguagem, não foi algo que surgiu do nada, foi algo que eu vim trabalhando e venho aprimorando. A uns dois, três anos atrás eu não tinha tanta consciência do que era a minha linguagem, mas junto com o boom do cinema, parece que o meu cinema sofreu um boom também e fui aprimorando essa linguagem muito levando como base o pensamento de muitos diretores, sobre tocar em alguns assuntos, que talvez não sejam tão confortáveis para o espectador.


 


Não necessariamente eu goste da polêmica, mas eu gosto da efervescência das opiniões! E eu tenho muito dessa linguagem tanto na hora de escrever, quanto na hora de dirigir. Eu tenho uma ligação muito forte com a causa LGBT,  pela minha identidade e eu sempre tento colocar isso nos meus projetos. Romeu e Romeu, por exemplo, que foi um grande marco da minha vida, muito claramente foi LGBT, era uma história que tinha como proposta tocar nessa ferida de uma forma muito didática, então tanto o roteiro, quanto na forma de ser produzido, quanto na fotografia, tudo era muito simples, eram personagens muito palatáveis para o público, eram claramente mais adolescentes, tinha uma proposta até meio verborrágica no roteiro, porque era direcionado a um público de internet e também um pouco mais jovem.


 


No último projeto que eu fiz esse ano, que foi uma série de curtas que tinham uma proposta não falar da causa LGBT mas não no sentido preconceito e violência, mas tentando naturalizar a existência, então demos o nome do projeto de “Existência”, que tinham uma pegada meio thriller e suspense e punhamos um personagem LGBT como protagonista, coisa que não vemos por aí, principalmente nesse gênero cinematográfico.


 


E na minha visão, a melhor forma de você naturalizar algo é as vezes dar um passo para trás e não por como pauta principal mas só mostrar que essas pessoas também existem e elas podem ser representadas em qualquer tipo de história, pode ser só uma história.


 


A minha proposta como artista é muito isso, trazer essa pauta LGBT, como pessoa LGBT e como uma pessoa que tem muitos privilégios para produzir, na minha condição de homem, branco, cisgênero, apesar de gay e trazer meus amigos para produzir comigo. Minhas amigas lésbicas para fazer curtas sobre personagens lésbicas, meus amigos e amigas trans para fazer curtas sobre personagens trans, gente de todo tipo para contar essas histórias.


 


Quais são suas principais referências no cinema?


 


Lars Von Trier, eu gosto muito da forma como as coisas que ele fala sempre ficam numa espécie de linear, nem sempre concordo, algumas vezes acho muito brutal a forma como ele retrata, acho que ele toca em alguns assuntos que podiam ser melhor abordados, mas é um cara que eu admiro pela trajetória e pela forma como ele constrói sempre uma mensagem que querendo ou não tem sempre muita ligação com o que a gente está vivendo, inclusive o Trump nos Estados Unidos e o que eu seria o momento político brasileiro também.


 


Na sua última obra ele fala muito sobre essa naturalização da violência, essa questão da pessoa que naturaliza seu discurso de ódio por conta da efervescência política e se vê no direito de fazer isso. É uma pessoa que eu admiro muito pela forma como ele pega uma personagem e universaliza  as questões dela.


 


Outra pessoa que eu acho que faz isso de um jeito muito brilhante é o Spike Jonze, tanto como roteirista quanto como diretor. E ai eu fico ainda mais atraído porque ele tem uma delicadeza fotográfica, dos relacionamentos das personagens, que o Lars Von Trier não tem e que se comunica um pouco mais com a linguagem que eu gosto.


 


Um cara que é bastante discutido esteticamente, o Ryan Murphy, que criou Glee, American Horror Story, American Crime Story e agora Pose, que é uma série divisora de águas na indústria americana porque é a série produzida com o maior número de pessoas trans, mulheres e pessoas negras envolvidas na produção. E foi o primeiro episódio dirigido por uma mulher, trans e negra na história da televisão americana. Então é um cara que além de tratar de uma forma muito bonita todas essas questões, ele tem uma preocupação que é uma preocupação que eu também tenho que é de trazer as pessoas sob as quais você está falando, para dentro do discurso.


 


As vezes ele passa isso de uma forma muito explícita como em Pose, mas às vezes em detalhes como em American Horror Story, onde ao invés de colocar um elenco inteiro de pessoas brancas e cis, ele coloca muitas pessoas negras, ele coloca personagens orientais e em papéis não estereotipados. Em um papel que qualquer um poderia interpretar mas ele decide escolher um ator que é negro para interpretar, uma mulher trans para interpretar, etc. Porque? Porque sim. Porque essas pessoas existem. E elas podem ser qualquer pessoa.


 


Nem sempre a história que ele produz é a melhor, mas ele conduz a sua carreira e conduz os seus projetos de uma forma muito bonitas e eu me inspiro muito nisso.


 


O que o cinema tem que as outras artes não tem?


 


Eu acredito que o cinema tem uma particularidade na forma de se comunicar com as pessoas que muitas áreas não tem. Eu acho que envolve muito dessa potência que só a área audiovisual tem, de fazer você sensorialmente sentir muitas coisas. Então tem o quadro fotográfico que te impacta. A forma que a luz te mostra ou não te mostra alguma coisa, que te dá uma leitura É a performance. É a direção, é a potência de um texto.


 


Uma coisa que a gente poderia até comparar com a televisão, mas o cinema tem um fator de credibilidade que a televisão não tem. Quando passa no cinema parece muito maior, e muito mais crível e muito mais potente. É algo que marca. Diferente da televisão que tem uma produção mais massiva e muita coisa se perde, o cinema marca, ele não é substituível. E você, autor, fica relacionado a obra. Uma coisa que a televisão não tem, que na maioria das vezes você não tem aquela relação do tipo “aqueles caras fizeram isso”.  Você fica muito marcado como autor.


 


Uma obra de cinema normalmente vem de uma sensibilidade maior, simplesmente pelo fato de que você precisa pensar muito antes de fazer. Você não pode botar qualquer discurso na tela, você voltar atrás com um discurso é muito complicado. E muita gente se autoboicota em Hollywood por causa disso, o que é ótimo.


 


A sua marca como autor é um legado que você tem que construir com muito cuidado e carinho.







  • Fale um pouco das suas experiências nas plataformas tradicionais como festivais e suas experiências nas novas plataformas como o Youtube.




 


Eu tive boas e más experiências em todos os tipos de janelas de exibição, desde Youtube até cinema, quanto na televisão.  Acho que todas tem seus prós e contras. Eu acho que é uma escolha de caminho de onde você quer pavimentar sua carreira.


 


Festival é uma coisa que hoje em dia te dá um certo prestígio entre criadores de cinema e de YouTube. Então você tem festivais tradicionais para curtas-metragens, longa-metragens, você tem um circuito de web fests para as suas web séries, seus conteúdos de vlog, seus conteúdos de variedades, programets de internet e todos eles são muito unidos.


 


Claro que com festivais maiores, às vezes é complexo de encontrar essa união. Você tem um circuito de festivais bastante regionais, um circuito de festivais de nicho para conteúdo produzido por mulheres, de nicho para conteúdo produzido por LGBT, onde as pessoas se conhecem e são muito unidas e isso te dá contatos. Tanto contatos mercadológicos do tipo “vou conseguir um trabalho”, quanto contatos de parcerias de criação que eu acho que é o mais valioso.


 


Eu acho que todo cineasta tem que passar por um festival porque é gostoso, é valoroso, é legal você perceber que existe uma comunidade. O senso de comunidade que se cria dentro de festivais te dá amigos em todo lugar. O que é maravilhoso.


 


Tive ótimas experiências, ganhei alguns prêmios, principalmente no circuito de web fests que eu acho que foi o que melhor me abraçou, que é onde fiz muitos amigos, conheci muitas pessoas queridas, pessoas com as quais eu trabalho. Gente que eu posso acionar se eu precisar fazer qualquer tipo de produção em qualquer estado do Brasil. Tem gente que  colabora com os meus projetos, outras web séries que vieram escrever em conjunto comigo.


 


Mas quando você vai lançar um conteúdo produzido fora do circuito de festivais, você tem que pensar nos prós e contras também. Participei de filmes, por exemplo, que foram vendidos para a televisão e que não tiveram circuitos comerciais no cinema. Que foram independentes, feitos com pouca grana e que conseguiram se pagar através da venda para a TV, então eu acho que o legal da democratização de conteúdo, além da TV paga e do investimento que o governo faz na cultura através do fundo setorial e de editais regionais e federais, é muito bacana justamente porque você encontra acessos e você percebe que todo lugar precisa de conteúdo.


 


A televisão dá muita vazão para conteúdo, porque produzir é tão difícil que até os filmes que não são considerados “bons” para o circuito, merecem ter uma “vida” sabe. Acho que hoje temos esse espaço para dar vida a esses conteúdos. Principalmente nos VoDs, por exemplo hoje em dia nós temos vídeos on demand, que é uma plataforma que vem crescendo. No Brasil ainda nem tanto, porque a gente ainda não tem regulação para esse tipo de conteúdo, da ANCINE, então a gente ainda está construindo essa burocracia, que é uma burocracia boa, que vai fazer o fundo setorial ser capaz de produzir em conjunto com quem ta produzindo esse conteúdo, mas que fora do Brasil você tem um acesso gigante, com plataformas desse tipo sendo criadas o tempo todo, competindo com o Netflix, competindo com plataformas de nicho.


 


Então você tem diversas plataformas que você direcionar o seu conteúdo, porque essas pessoas não estão comprando da Warner, eles estão comprando de plataformas independentes e o produtor de conteúdo independente brasileiro vale a pena financeiramente.  Então é nesse mercado que eu estou trilhando meu caminho com Romeu Romeu e com futuros projetos, porque lá tem essa disponibilidade. Mesmo com uma série que eu fiz pagando do bolso, com um mega baixo investimento, encontra um espaço. Então essa experiência com o VoD eu acho que é o caminho do futuro e é o caminho que para nós, pequenos produtores e produtores independentes, não necessariamente gera um mega lucro mas constrói o seu caminho, constrói sua carreira.  


 


Você distribui no YouTube gratuitamente, tem uma vida lá, depois você pode tirar e colocar em uma plataforma de exclusividade ganhando um pouco mais ou até botar em uma plataforma sem exclusividade que vai fazer as pessoas encontrarem seu conteúdo lá no Catalão, na vilazinha francesa que você nunca imaginou que veriam. Eu já encontrei DVD de Romeu Romeu em Berlin, por exemplo. Foi uma surpresa muito legal!


 




  • Quais são os processos, os elementos, as sensações e os sentimentos no geral que você sempre procura provocar quando dirige e/ou escreve alguma produção?







Processos criativos são coisas muito particulares, e por incrível que pareça mesmo que eu seja roteirista e diretor eu dirijo pouco as coisas que eu escrevo. Então tem muita coisa que eu escrevi que está na gaveta porque eu dirijo muito mais coisas que os outros escreveram. A minha única experiência dirigindo e escrevendo uma coisa que eu fiz na minha carreira foi esse ano, com o meu curta indicado para o Short Films de Cannes e agora no final do ano que vou dirigir uma websérie que eu escrevi.


 


Mas eu acho que independente de eu escrever ou pegar algo já escrito para dirigir, sou um cara que gosta muito de trabalhar relações e de dirigir atores, é uma coisa que nem sempre a gente vê aqui no Brasil. A gente tem a figura do preparador de elenco, que muitas vezes entra e muitas vezes eu também trabalho com preparador, mesmo que eu esteja dirigindo, porque geralmente tenho alguns trabalhos em paralelo, então preciso dessa figura para me auxiliar, mas eu gosto muito de dirigir ator porque sou muito apaixonado pela questão das motivações.


Eu acho que como eu venho um pouco desse viés provocativo em relação a nossa realidade, eu gosto de tratar de polêmicas, eu sou uma pessoa muito ligada a política, então gosto muito de contestar status quo,  da questão LGBT, do existencialismo, do capital e todos esses assuntos, eu gosto muito de trabalhar as relações e os porquês das personagens e esse processo começa no roteiro, então muitas vezes eu dou uma mudada nessas nuances para dar uma potencializada nessas questões humanitárias, para que essas personagens não só façam algo, mas que elas tenham uma motivação muito ligada ao contexto político e social do lugar em que ela se insere. Faço um processo de ensaios muito pesado com os atores pra trazer a tona essas questões  com mais naturalidade e mais força para o discurso.


 


Quando estou no set para gravar, eu gosto de ter uma boa equipe de assistentes de direção  para sempre ter alguém ali que cuide dos atores, para manter eles um pouco afastados do caos do set, da fotografia e da gravação, para que eu não atrapalhe os processos dele e porque sou um pouco neurótico com esses detalhes de direção de arte, fotografia etc, apesar de confiar muito na minha equipe e deixar eles com certa liberdade.


 


Então eu acabo tendo esses dois processos: o de análise de roteiro de ensaio que é muito intenso porque valorizo muito numa pré-produção. E o de neurose de detalhes do set, que eu acho que todo diretor tem um pouco! Mas um assistente de direção em que eu confie, goste e que eu saiba que vai manter os atores bem concentrados é o suficiente para que eu possa ficar nessa coordenação do todo.


 


E ai eu sou o cara que edita também. É uma coisa que gosto muito de fazer porque tenho um pouco de dificuldade de dar meu conteúdo na mão de outra pessoa. É uma questão que eu tenho trabalhado ultimamente, para tentar deixar outras pessoas editarem a minha produção.


 


Mas eu acredito que o processo criativo de um diretor termina muito na pós-produção. A história na verdade termina na pós. A história que você vai contar só vale no que vai ser impresso nos cortes, na edição, no ritmo e eu sou bem focado com isso, então eu gosto muito de editar o que eu faço, além de materiais de outras pessoas também.


Acho que essa minha jornada como pessoa que veio do teatro me dá essa afeição pelos atores e como pessoa que estudo muito roteiro, que eu acho que é o que eu mais estudei na minha vida, me dá essa paixão pelo storytelling, da análise do roteiro ao corte da edição. Está tudo ligado se você parar para pensar!

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