Instituto de Cinema de SP

CRÍTICA | Era o Hotel Cambridge

“Ato político” refere-se a toda ação praticada por um agente público no exercício de suas funções de Estado ou, também, às formas que a população utiliza para expressar suas demandas. O filme de ficção Era o hotel Cambridge (2016), que tangencia o documental e alimenta-se dele para construir sua estrutura narrativa, faz um recorte da vida das grandes cidades – no caso, São Paulo – para evidenciar a realidade de cidadãos que lutam diariamente por condições mínimas de sobrevivência: residências dignas com aluguéis acessíveis.


Dentro de uma ocupação no centro de São Paulo, a obra traz uma multiplicidade de histórias de vida que unem-se num mesmo lugar e constituem uma forma de resistência à total submissão do espaço urbano à lógica do capital. Refugiados, migrantes, imigrantes, mães solteiras e tantos outros que não têm condições de pagar o preço alto dos aluguéis empenham-se em conquistar seu direito à moradia por meio das ocupações. Um modelo habitacional, teoricamente provisório, que é o último recurso de uma população vulnerável para chamar a atenção do Estado para suas necessidades e existência. 


Diferentemente da opinião pública, de uma classe média apática em relação às causas sociais, de boa parte da imprensa, e do Estado, – que tendem a tratar tal movimento como invasões, cometidas por invasores que pretendem usurpar a propriedade privada alheia e devem ser tratados a balas de borracha e bombas de efeito moral – “Era o Hotel Cambridge” faz uma observação próxima desses “invasores” e contextualiza-os dentro de uma realidade de opressão e luta.


Em relação a sua realização, o longa-metragem pode ser caracterizado como um divisor de águas para o cinema brasileiro: com base na troca entre realizadores artistas e a coletividade dos novos moradores do antigo hotel (que é também personagem), o filme é construído de forma que sua potência encontra-se na luta real da qual se faz porta-voz. Fundamenta-se em três representações que se co-relacionam: as situações cotidianas vividas pelos personagens dentro do edifício, as imagens do mundo exterior, e vídeos caseiros produzidos pelos moradores.


Dentro desse contexto o filme traz, principalmente, a presença das mulheres. Na direção e direção de arte, as irmãs Caffé. Como protagonista, Carmem da Silva, líder da Frente de Luta por Moradia. Como figura ilustre e sensível, Suely Franco, a Gilda. Estão por toda parte, na organização da vida do edifício, dentro das articulações políticas e no dia-a-dia de mães solteiras. Aparecem também em sua ausência, como as mulheres abandonadas (com seus filhos) em lugares distantes e que mesmo assim permanecem subjugadas e em função dos homens de sua vida. Sem esconder a violência a qual estão sujeitas na domesticidade do lar, o filme traz sua presença liderando, conduzindo, mediando e acolhendo, como elemento estruturador tanto do movimento e do lugar, quanto do próprio filme.


 


Assista ao trailer abaixo:


 


Por Isabella Thebas

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