Instituto de Cinema de SP

Como Fazer um Roteiro de Cinema

Transformar uma ideia em filme pode parecer uma tarefa complicada. E, de fato, um filme hoje pode ser feito de diversas formas, desde superproduções com orçamentos milionários e muitos efeitos especiais, até animações caseiras, ou curtas feitos com celular. Mas uma coisa é certa, todo filme - seja qual for o tamanho de sua produção - precisa de um ponto de partida, ou seja, um Roteiro.


Para te ajudar a tirar sua ideia da cabeça e colocá-la no papel, o Instituto de Cinema preparou este guia de como fazer um roteiro. Aqui você encontrará um passo a passo de como escrever um roteiro e, além disso, aprenderá a estrutura de um roteiro clássico e sua formatação adequada para o mercado profissional. 


Antes de tudo é importante ter em mente que cada roteirista tem o seu próprio processo, e também que o roteiro narrativo clássico - como veremos aqui - é apenas uma forma, e não uma fórmula, como disse o roteirista Robert McKee, importante roteirista e teórico.


Em uma produção de um filme, existe todo um caminho que a história percorre desde a sua ideia até estar pronta para filmar. Às vezes, percorrer esse caminho pode durar anos, como no filme Que Horas Ela Volta? A diretora e roteirista Anna Muylaert conta que começou a pensar em seu roteiro em 2002, mas o filme só estreou no ano de 2015. Uma ideia, portanto, passa por diferentes estágios de desenvolvimento até tornar-se um filme, entre eles: a Premissa, o Argumento, a Escaleta e o Roteiro.


Um roteiro nada mais é do que a forma escrita de qualquer espetáculo audiovisual, um documento narrativo utilizado como diretriz para a gravação de filmes, programas televisivos ou jogos eletrônicos. Ele é uma peça fundamental para guiar todos os processos de uma produção audiovisual. Por exemplo, o Produtor do filme tem, através do roteiro, a possibilidade de desenvolver uma lista do que será necessário para a produção do projeto, criar um orçamento prévio dos custos, encontrar os profissionais necessários para o seu desenvolvimento, etc.


Por fim, é necessário ressaltar que escrever um roteiro é um trabalho que exige dedicação e esforço contínuo, revisando e alterando a história até conseguir o resultado desejado. Grandes filmes demoraram anos para terminar o processo de escrita e revisão do roteiro, Cidade de Deus - dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund e roteirizado por Braulio Mantovani -, por exemplo, passou por 12 tratamentos de roteiro até ficar pronto.


Sem mais rodeios, vamos ao passo a passo:


COMO ESCREVER UM ROTEIRO


Antes de tudo uma dica importante: um roteiro não conta uma história, ele mostra uma história. Ao ler um roteiro, uma pessoa deve ser capaz de imaginar perfeitamente a cena. Por isso, um roteirista deve criar ações que imageticamente traduzam o que ele quer dizer. Diferentemente da literatura, onde você pode descrever emoções e sentimentos das personagens, em um roteiro tudo deve ser mostrado.


1. Fundamente a sua ideia


Trata-se do momento de tornar concreta aquela faísca de inspiração para transformá-la num filme. Uma ideia por si só não é suficiente, para começar o processo de um roteiro, você precisa de uma história, com personagens bem desenvolvidos e um conflito, e mais importante que isso, você precisa de referências.


Por isso o processo de pesquisa é essencial para desenvolver sua ideia. Cada roteirista terá seu próprio processo, mas pesquisar sobre o tema que se deseja retratar é uma importante etapa para dar estofo à história. Essa pesquisa pode ser feita de várias formas; observe pessoas na rua em suas vidas; converse com quem possa conhecer sobre o tema; procure livros, peças e filmes sobre o assunto. Conheça e reflita sobre o que já foi feito e questione o que você pode acrescentar de novo. Qual a sua visão? Qual a melhor abordagem ou linguagem para você?


Além disso é esse o momento de definir dois fatores que vão ditar o rumo que a história vai seguir, o seu gênero (drama, comédia, suspense?) e o seu público-alvo, ou seja, é necessário decidir para quem se está escrevendo, quem pretende atingir.


Por fim, também é importante ter em mente a viabilidade de tirar o projeto do papel. De onde virá o financiamento? Será inscrito em algum edital ou lei de incentivo? Quais são os critérios dos mesmos? O filme está de acordo com a realidade de seu orçamento?


2. Defina o conflito


Um dos principais passos para escrever um roteiro é definir seu conflito, uma vez que a história vai se desenvolver em função dele. O conflito é um elemento básico da dramaturgia, segundo o roteirista Robert McKee: “em uma história, nada se move para frente se não for através de conflito”.


Na dramaturgia clássica, o conflito é gerado a partir da necessidade do personagem, quando ele não consegue cumprir seus objetivos. Nesse sentido, o conflito geralmente vai contra o protagonista, como algo que ele precisa superar.


Quando se trata de roteiro, existem diferentes tipos de conflito. Entre eles:


- Conflito Interno = entre o personagem e ele mesmo;


- Conflito Externo = entre o personagem e outro elemento do filme.


No caso do conflito externo, ele pode ser de caráter pessoal (entre o protagonista e outros personagens) ou extrapessoal (entre o protagonista e algum elemento não humano, como uma empresa ou força da natureza). As tramas mais complexas costumam abrigar mais de um conflito e vemos um bom trabalho de roteiro quando podemos observar uma resolução concomitante para os conflitos internos e externos da personagem.


Todo roteiro tem um conflito essencial que deve poder ser resumido em uma única frase, sendo essa a PREMISSA do filme.


3. Construa os personagens


Syd Field, famoso teórico de roteiro, diz que personagem é ação e que não existe personagem sem história, nem história sem personagem. Eles são elementos essenciais do seu filme, então desenvolva personagens consistentes dentro da curva dramática. Quanto mais complexo um personagem for, mais camadas e nuances tiver, mais real ele irá parecer.


Vá a fundo no seu personagem, defina seu perfil minuciosamente. Qual a sua religião? Sua cor preferida? Como foi a sua infância? Quais são seus medos? Mesmo que algumas dessas informações não apareçam diretamente no roteiro, elas são importantes para dar consistência ao personagem. Nesse momento você vai perceber a importância de uma pesquisa bem feita.


Um bom perfil de personagem, além de te ajudar a determinar certas ações ou falas, faz com que outras pessoas da equipe - desde os atores até a direção de arte - tenham uma boa e concreta base para trabalhar.


4. Desenhe a curva dramática


A curva dramática é o elemento da dramaturgia responsável por nos deixar ansiosos, tensos, ou emocionados na poltrona do cinema. Ela nada mais é do que um modelo de desenvolvimento da situação dramática. 


Na curva dramática clássica, a história parte de um ponto inicial equilibrado, que apresenta a situação ao espectador em seu estado de repouso. Por algum motivo, há uma ruptura do conforto inicial, o que promove um aumento da tensão e intensidade na medida que a narrativa se desenvolve. Durante essa etapa, o protagonista parte para a busca de um novo equilíbrio, essa busca é representada pelo crescimento da curva. Sendo assim, enquanto há a complicação, a curva dramática sobe até seu cume, onde acontece o ponto clímax do filme, quando o conflito alcança seu grau máximo e desencadeia a resolução e relaxamento, momentos em que a curva dramática desce até alcançar um novo equilíbrio na conclusão.


Ou seja, a curva dramática é basicamente a variação de intensidade do filme em relação ao seu tempo de narrativa, e está intimamente ligada ao arco de desenvolvimento da personagem. 


5. Escreva o Argumento


O argumento é o estágio em que a história começa a tomar forma de fato. Ele é uma ferramenta de trabalho do roteirista para o desenvolvimento (e venda) do roteiro, e pode ser interpretado como estando para o roteiro assim como um esboço está para uma pintura.


Um argumento é mais detalhado do que uma sinopse e também mais dramático, já que deve inspirar no leitor os sentimentos, emoções e reviravoltas do roteiro. Além disso, é o momento de apresentar todos os personagens importantes para o enredo.


Todo argumento deve ser escrito em prosa, com discurso direto, e no tempo presente, mantendo os atos do roteiro. É a descrição imagética de como será o filme, um texto corrido que conta de forma simples a história. Deve ter uma leitura agradável e engajadora que mostre o tom do roteiro. Por essas características, o argumento é muitas vezes utilizado como apresentação de um roteiro ou como ferramenta para sua venda.


6. Faça a Escaleta


Após descrever a história no argumento, é hora de estruturá-la com a escaleta. A escaleta é a estrutura, o esqueleto do roteiro, como que o “resumo” de cada cena para demonstrar como a história irá se desenvolver. A escaleta é uma ferramenta de construção do roteiro para auxiliar o roteirista a montar a ordem das cenas no filme, assim acertando seu ritmo.


Não existe necessariamente um formato padrão, o habitual é incluir um cabeçalho com a indicação da cena e uma breve descrição da situação e a ação do personagem. Cada roteirista pode variar em seu nível de detalhamento na hora de fazer a sua escaleta, mas o importante é que ela explicite qual é a ação do personagem naquela cena. Uma escaleta bem escrita, ajuda a visualizar importância de cada cena, seu ritmo, qual sua função dentro da macroestrutura, e a definir o arco dramático dos personagens e subtramas.


7. Escreva o Roteiro


Com o argumento escrito e a escaleta feita, é hora de se concentrar nos diálogos e montar o roteiro. É nesse momento que o roteirista tem a oportunidade de adicionar descrições e detalhes à história, ligando uma cena a outra ou incluindo certos direcionamentos para os outros departamentos, como a Direção, a Direção de Arte, ou até mesmo a Montagem.


Existem alguns padrões de formatação para a escrita de um roteiro profissional, e é importante segui-los se você quer que seu roteiro tenha credibilidade no mercado. O formato mais comumente visto é chamado “Master Scenes”, sua formatação permite que cada página corresponda a um minuto de filme rodado, o que permite que o roteirista tenha noção do tempo do filme enquanto o escreve. Mas é claro que isso é apenas uma aproximação e sua veracidade vai depender do conteúdo de cada página.


Diversos manuais de formatação de roteiro estão disponíveis na internet, mas também existem softwares que automaticamente padronizam seu roteiro corretamente. O mais usado por roteiristas profissionais é o Final Draft, mas, você pode começar com softwares mais simples. Como o Celtx ou o Story Writer, da Amazon,  ambos com versões gratuitas.


8. Revise e apresente para outras pessoas


Por fim, com seu roteiro pronto é hora de passar o pente fino, procurar olhar com outros olhos e revisar diversas vezes. Para muitas pessoas ajuda ler em voz alta, com diferentes pessoas lendo para diferentes personagens. Você precisa visualizar cada cena que criou e escutar cada frase saindo da boca do protagonista.


Além disso procure mostrar seu roteiro para outras pessoas, se tiver a oportunidade para algum roteirista profissional ou alguém mais experiente. Novos olhares em cima de um trabalho que você está debruçado e apegado pode render boas e novas versões. Não tenha medo de fazer novos tratamentos em seu roteiro, como já dissemos, diversos grandes filmes passaram por diversas versões até atingir seu resultado final.


Algumas dicas:


 - A capa do roteiro deve conter o título da obra e o nome do roteirista, além de seus dados de contato.


 - A primeira página nunca é numerada.


 - Todas as outras páginas devem conter numeração.


 - A fonte padrão é a Courier News tamanho 12 e o espaçamento é simples. Não use itálico nem negrito.


 - Na descrição da ação, não repita informações que já estão no cabeçalho.


 - Leia muitos roteiros na internet, existem vários sites que disponibilizam roteiros na íntegra.


 


ESTRUTURA DE UM ROTEIRO


No que diz respeito à formatação do roteiro, como já dissemos, o padrão mais utilizado é o Master Scenes. Nele, as páginas do roteiro são estruturadas de acordo com os seguintes elementos:


 - Cabeçalho de cena


 - Ação


 - Personagens


 - Diálogos


 - Transição


Mais à frente veremos um modelo de roteiro demonstrando tais elementos.


Porém, não é só de formatação que se estrutura um filme. Uma estrutura clássica de roteiro divide a história em 3 atos. Cada ato pode operar independentemente e quando juntos, fornecem o arco completo da narrativa.


Nesse modelo, o 1º ato é a apresentação da história, de seu “mundo comum”. É nele que deve ser definido o tom do filme, assim como apresentado o universo em que se passa e seus personagens. Deve ocorrer também a apresentação do protagonista e o desenvolvimento da história até o primeiro ponto de virada, ou seja, acontecimento do conflito que dará início ao 2º ato.


O 2º ato é o momento de desenvolvimento da história, onde o protagonista vai encontrar obstáculos no caminho da resolução do seu conflito. Por todo esse momento do filme, o protagonista deve demonstrar sinais de mudança: enquanto procura resolver seu conflito externo, trabalha também - as vezes de forma inconsciente - em direção a resolução de seu conflito interno. O segundo ato se desenrola até o 2º ponto de virada, que o encerra inaugurando a parte final do filme.


No 3º ato a história alcança sua resolução. Ele contém a reviravolta da narrativa (o famoso plot twist) e termina com o confronto final, onde o protagonista alcança seu objetivo e soluciona o conflito. Normalmente é muito mais rápido e condensado do que o segundo e apresenta o desfecho da narrativa e o epílogo.


 


MODELO DE ROTEIRO


INT. QUARTO DE HOTEL DE CHARLOTTE - NOITE (Cabeçalho de Cena)


De costas, Charlotte olha a grande janela.   (Ação)


John chega e lhe dá um beijo.                 


                   CHARLOTTE (Personagem) 


          Como foi hoje?   (Diálogo)


                    JOHN


          Bom...Eu estou cansado.


Ele a abraça por um momento, inclinando-se.


                     JOHN (CONT)


         Eu tenho que encontrar Kelly para um drinque


lá embaixo. Ela quer conversar sobre algo de foto.


                     CHARLOTTE


         Ok. Talvez eu desça com você.


                     JOHN


         Você quer vir?


                     CHARLOTTE


         Claro.


                     JOHN


              (não quer que ela vá) (Observação)


         Ok.


                                        CUT TO: (Transição)


 


CURSO DE ROTEIRO


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O curso, com foco em narratividade (Storytelling), é estruturado visando uma integração entre pensar o que escrever, e como escrever uma boa história. Seu objetivo é apresentar técnicas para o desenvolvimento de roteiros que explorem os vários tipos de histórias, narrativas e elementos, adaptados à linguagem cinematográfica.


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Por Isabella Thebas

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