Instituto de Cinema de SP

Para entender como funcionam os mecanismos de financiamento ao audiovisual brasileiro

Após a repercussão de nosso texto Bolsonaro e o risco que representa ao cinema brasileiro, trouxemos um conteúdo para esclarecer como funciona o financiamento brasileiro ao audiovisual.


Todos os dias, em qualquer notícia ou publicação relacionada ao audiovisual no Brasil, vemos uma enxurrada de comentários como “tem que parar de mamar nas tetas do governo”. Infelizmente, tais comentários indicam o desconhecimento da população diante de fatos ligados aos mecanismos de financiamento. 


É até compreensível, vide que muitas informações não chegam até muitas pessoas. Cabe a nós, então, veículos de informação, deixar claro como funcionam todos os trâmites, e mostrar da melhor forma possível toda a burocracia que envolve a produção no audiovisual. Conseguir financiar um projeto não é tão fácil quanto pode parecer.


As formas de financiar uma produção variam. Podem ser diretas ou  indiretas, vindas do governo ou empresas privadas, mas a verdade é que de qualquer forma, para que uma produção realmente aconteça, a permissão vem do governo. Vamos entender como funcionam as diversas formas de financiamento e qual o papel do Estado nisso tudo. 


Muito do que ouvimos é que as pessoas não querem seu dinheiro sendo investido em filmes, mas sim em educação ou hospitais; “coisas que importam”. Mas ora, é dever do governo proporcionar aos cidadãos saúde, educação, segurança, lazer e, claro, cultura. Diante disso, é importante também entender que o dinheiro para todos esses segmentos não é o mesmo. Ou seja, investir em cultura não tira o poder aquisitivo do governo de investir em saúde e educação. 


É preciso salientar também que o setor cultural, ainda mais tratando-se de audiovisual, é um dos que mais cresce e mais contribuem financeiramente para o país. Em 2016 a ANCINE - Agência Nacional do Cinema, publicou uma pesquisa indicando que o audiovisual se tornava uma grande parcela do PIB nacional. Vamos entender, então, o audiovisual como uma INDÚSTRIA, que emprega milhares de pessoas e presta contas ao governo. 


LEI ROUANET


A famosa Lei Rouanet é destinada a projetos culturais. Foi criada na Era Collor (1990 - 1992), quando acabou a Embrafilme e órgãos de fomento à cultura. Em 1991 só se fez um filme, Carlota Joaquina, de Carla Camurati. 


Naquele ano criou-se a Lei para estimular o incentivo à cultura por parte do governo. Mas então como funciona? Bom, a lei tem uma política de incentivos fiscais para projetos e ações culturais. Pessoas físicas e empresas podem aplicar em tais projetos uma parcela de seu IR (Imposto de Renda devido). Ao ano, mais de 3 mil projetos podem ser apoiados dessa maneira. A lei é uma forma de estimular que o setor privado invista em cultura. Ou seja, é uma forma de incentivo indireto. 


Como pessoa jurídica, o financiador pode destinar até 4% de seu imposto devido ao projeto, e enquanto pessoa física, o valor é de até 6% do total. Esses limites concorrem com os limites estabelecidos para os mecanismos de incentivo previstos na Lei do Audiovisual. 


A Lei Rouanet (8.313/91) institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que tem o objetivo de apoiar e direcionar recursos para investimentos em projetos culturais. Os produtos e serviços que resultarem desse benefício serão de exibição, utilização e circulação públicas.


Tratando-se de audiovisual, a Lei Rouanet deixou de aceitar longas de ficção entre 2006 e 2007, quando os longas documentais passaram a não ficar com 100% do imposto que é gerado para a produção. E cabe à Ancine aprovar ou não grande parte dos projetos. 


LEI DO AUDIOVISUAL 


Data de 1993, e tem semelhança com as particularidades da Lei Rouanet, sendo também uma forma de apoio indireto. A dedução do IR é a mesma para ambas as leis, sendo 4% para pessoas jurídicas e 6% para físicas. Os projetos aos quais são destinados tais recursos devem ser aprovados pela Ancine. Com isso, o investidor pode associar seu nome ao produto. 


Em seu caso, os projetos independentes podem ser curta, média ou longa-metragem, telefilmes, minisséries, séries ou programas culturais e educativos para a TV.


FUNDO SETORIAL DO AUDIOVISUAL


Foi regulamentado em 2007 e é destinado ao financiamento de toda a cadeia produtiva das produções audiovisuais, sendo a principal ferramenta de financiamento público ao audiovisual brasileiro. A maior fonte de investimento do Fundo vem do imposto chamado CONDECINE - Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Nacional. 


Com a Lei da TV Paga (12.485), sancionada em setembro de 2011, e que estabelece uma cota de conteúdo audiovisual independente na TV paga, as teles passam a atuar no mercado audiovisual, tendo que pagar a Condecine também. Sua chegada injetou um grande valor ao fundo, o que nos ajuda a entender o impacto da lei 12.485 para o mercado audiovisual nacional. 


Para usar o fundo, é preciso ter uma produtora registrada na Ancine e ficar de olho nos editais lançados pela mesma, dedicados à produção e distribuição de filmes. É preciso estar dentro de todas as especificações do edital escolhido, dentro do perfil. O valor que será destinado ao projeto depende do edital e da porcentagem a ser investida e a recuperação dos investimentos realizados nos projetos de obras audiovisuais é feita a partir dos critérios estabelecidos pelas Chamadas Públicas. 


Bom, os trâmites são vários, e para entender todos os mecanismos é preciso estudar a fundo como cada funciona. Mas aqui procuramos trazer até você, de forma mais simplificada, o quanto é importante que haja tais financiamentos, e que a Ancine esteja sempre presente. 


Dessa forma o cinema - e audiovisual, no geral - contribuem economicamente com nosso país, sendo ainda um dos importantes segmentos de nossa cultura. O cinema brasileiro é extremamente rico. E não “mama nas tetas do governo”, mas sim injeta um lucro importante. Daí a importância de entendê-lo também como indústria.


Vimos aqui que o governo colabora tanto indireta, como diretamente com nossas produções, sem esse apoio, o número seria muito menor. Torna-se possível, por meio de tais medidas, produtos independentes que trazem reconhecimento e valorização ao nosso país. 


Após as polêmicas relacionadas a Ancine e Bolsonaro, nesta sexta-feira (2) o presidente disse poder recuar com a extinção após reconhecer que “não é só Bruna Surfistinha” e que reconhece como a indústria gera empregos. “Se tiver que recuar, eu recuo. Quantas vezes vocês falam que eu recuei?”, disse o presidente. 


Mas ainda assim insiste que filmes como esse não podem ser feitos com dinheiro público. Ainda conversa com Paulo Guedes, ministro da Economia, sobre alterações nos impostos que incidem no setor audiovisual, porém ainda não entrou em detalhes. 


Por Mariana R. Marques

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